A imprensa na Grande Florianópolis

Primeira página do jornal O Estado de 13 de março de 1962
Primeira página do jornal O Estado de 13 de março de 1962

Este artigo foi publicado originalmente no livro “Jornalismo em Perspectiva”, organizado pela Maria José Baldessar e Rogério Christofoletti, em comemoração ao cinquentenário do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina (2005), editado pelo Sindicato e pela Editora da UFSC. Republico aqui a propósito dos 40 anos que o Curso de Jornalismo da UFSC completa em 2019. Afinal, o curso faz parte da história do jornalismo na Grande Florianópolis.

No princípio, eram os partidos políticos. Mais especificamente, na Santa Catarina da época da criação do Sindicato, o PSD (Partido Social Democrático) e a UDN (União Democrática Nacional). Os jornais e as emissoras de rádio em Florianópolis eram conhecidos por serem “de propriedade” de uma ou de outra corrente política. A rádio Guarujá e o jornal “O Estado” elogiavam quem era simpático ao PSD e expunham as mazelas dos adversários.

A mesma coisa, só que com o sinal inverso, faziam a rádio Diário da Manhã e o jornal “A Gazeta”, da UDN. E era um jogo, de certa forma, às claras: todos sabiam que se quisessem encontrar críticas aos Ramos teriam que ler o jornal da UDN. E para saber o que estavam dizendo dos Bornhausen era só ler o jornal do PSD. Simples assim.

Os jornalistas, redatores daqueles textos rebuscados que invariavelmente iniciavam com um longo “nariz de cera”, eram tamb ém partidários. Amigos e apadrinhados das principais personalidades políticas de cada clã. Por décadas a imprensa da capital de Santa Catarina viveu essa rotina provinciana. Uma espécie de serviço de alto-falantes dos principais partidos ou coligações.

Primeira página do jornal A Gazeta, de 26 de abril de 1964
Primeira página do jornal A Gazeta, de 26 de abril de 1964

Os jornais eram mantidos em estado de indigência tecnológica pela falta de ambição comercial. Ninguém parecia interessado em ganhar dinheiro com jornais ou em buscar mais leitores com algumas inovações já disponíveis em outras capitais brasileiras: bastava que cumprissem seu papel de arautos dos partidos. As notícias, ora, as notícias eram copiadas do repórter Esso, da Rádio Nacional do Rio, ditadas pela fonte ou ainda recortadas de jornais de fora e publicadas no dia seguinte. A pequena cidade, ainda que capital de estado, não tinha a pressa de hoje.

Em 1956, o jornal “O Estado” iniciou um lento e longo processo de modernização, ao comprar uma segunda linotipo. Em 1957, instalou uma rotoplana, impressora mais moderna e rápida que a prensa tipográfica anterior e instalou uma clicheria. Já podia produzir suas próprias fotos e ilustrações.

Paschoal Pitsica contou, numa entrevista a Apolinário Ternes (“A Notícia”, 1996), que o diretor Rubens de Arruda Ramos e o gerente Domingos de Aquino, animados com os novos equipamentos, resolveram criar, em 1958, um Suplemento Dominical “cultural e social” em “O Estado ”. Paschoal e seu irmão Nicolau foram encarregados da parte cultural e Zury Machado fazia a coluna social. Foi uma espécie de “primavera de Praga” que durou um ano, fez grande sucesso e reuniu colaborações dos principais nomes da época.

A justificativa para o fechamento do suplemento foi a necessidade de economizar. A crise financeira, que a essa altura é um personagem novo, depois irá se instalar confortavelmente e tomar parte em todos os movimentos da imprensa florianopolitana.

Enquanto “O Estado”, de tempos em tempos comprava uma ou outra máquina nova, os demais jornais permaneciam onde sempre estiveram ou regrediam. O “Diário da Tarde” fechou e “A Gazeta ” continuava, mas sem novidades. Essa polarização PSD/UDN durou mais ou menos até a década de 70. A extinção dos partidos pelo Ato Institucional nº 2, em 1965, certamente contribuiu para que as coisas mudassem ou pelo menos se tornassem menos evidentes e preponderantes.

Em 1964, o jornal “O Estado” já era de propriedade do ex-governador Aderbal Ramos da Silva. Quando Rubens de Arruda Ramos deixa a direção, o jornal fica sob a responsabilidade de José Matusalém Comelli, jovem genro do “Doutor Aderbal”. Além dos filhos de Rubens (Sérgio da Costa Ramos que desde os 14 anos de idade convivia com o jornal e Paulo da Costa Ramos), Comelli cercou-se de outros jovens, como Marcílio Medeiros Filho, Raul Caldas Filho, Mauro Júlio Amorim e Luiz Henrique Tancredo. E o jornal “O Estado” continuava sua lenta e segura trajetória de mudanças.

O lançamento do “Jornal de Santa Catarina”, em Blumenau, em 1971, foi um terremoto jornalístico cuja onda de choque chegou a Florianópolis com toda a força. Não só porque Nestor Fedrizzi (jornalista gaúcho responsável, com João Aveline, pelo sucesso da “Última Hora” em Porto Alegre) levou para Blumenau jornalistas da melhor qualidade, uma rotina jornalística profissional e nova tecnologia de impressão, mas também porque, antes mesmo do lançamento, começou a montar uma grande sucursal na capital.

Ayrton Kanitz lembra que, ao chegar a Florianópolis em 1970, trazido de São Paulo por Nestor Fedrizzi, com a tarefa de montar a sucursal do Santa (como é chamado o jornal de Blumenau) foi muito bem recebido por Adolfo Zigelli, um radialista de prestígio que embora apaixonado por Florianópolis e defensor das tradições locais, não hostilizou os recém-chegados e os ajudou de inúmeras formas, mesmo antes de tornar-se colunista do jornal.

O Santa foi lançado em 22 de setembro de 1971, composto a frio e impresso em rotativa off-set. Com um projeto editorial moderno e competitivo. Todos os demais jornais tinham composição a quente (com linotipos) ou manual (com tipos móveis) e impressão direta plana ou no máximo rotoplana (matriz plana e entintador rotativo).

O jornal “O Estado” foi, de certa forma, surpreendido pela iniciativa do Santa. José Matusalém Comelli conta que a moderniza ção de “O Estado” estava sendo pensada e planejada, mas ainda não tinha sido feito qualquer processo de compra ou importação de equipamentos, procedimentos excessivamente burocratizados e que, em geral, demoravam mais de um ano.

Mesmo assim, oito meses depois, em maio de 1972, o jornal “O Estado” estreava sua nova sede, na rua Felipe Schmidt, com equipamentos semelhantes aos do concorrente de Blumenau. Um jornal totalmente renovado, gráfica e editorialmente. Para fazê-lo, trouxe parte da equipe que lançara o Santa, acrescentando alguns jornalistas gaúchos recém-chegados e poucos locais.

“O Estado”, na verdade, foi beneficiado pelo acaso. Em meados de 1971, Jorge Daux (então proprietário da rede de cinemas da capital) procurou Comelli para apresentá-lo a um deputado paranaense que estava vendendo o equipamento que “O Estado” precisava.

O amigo de Daux, do grupo de apoio do então governador paranaense Haroldo Leon Peres, importara todo o maquinário para instalar um jornal em Maringá. As máquinas tinham acabado de chegar e, enquanto ainda estavam nos portos de Santos e Paranaguá, o governador deixou o cargo (Peres renunciou em setembro de 1971, após sete meses de mandato, num episódio até hoje obscuro).

Diante disso, o dono do jornal achou melhor não lançá-lo e saiu em busca de compradores para as máquinas. Portanto, havia todo um sistema de composição a frio IBM e uma rotativa off-set Goss, com todos os demais equipamentos complementares à venda, em portos brasileiros. Praticamente pronta entrega. Foi por isso que, em tempo recorde, “O Estado” conseguiu renovar-se, surpreendendo a todos.

Não eram só os jornais que mudavam. O jornalista florianopolitano também nunca mais foi o mesmo. A imprensa, como um todo, estava em processo de mudança.

Redação de O Estado em 1976
Redação de O Estado, em 1976, na sede da Felipe Schmidt.

No rádio, Adolfo Zigelli conseguia, com o Vanguarda, completar uma das histórias profissionais mais interessantes: o garoto engajado nas lides da UDN em Joaçaba, locutor de rádio do partido, trazido para Florianópolis para continuar a atuar politicamente, tanto no serviço de imprensa do Palácio quanto na rádio da UDN, percebe o momento histórico e acaba ganhando credibilidade com uma atuação focada na defesa da cidade e de seus valores que come çavam a desaparecer (como a até hoje injustificada demolição do Miramar). O Vanguarda não era um programa da UDN e não tinha o ranço político-partidário que caracterizou o passado do mesmo Zigelli, mas não deixava também de ter a visão política básica dos dessa corrente, só que numa linguagem moderna. Vale lembrar que, nessa época, a UDN estava unida ao PSD na Aliança Renovadora Nacional — Arena –, o partido-frente que se opunha ao MDB, o outro partido-frente do sistema bipartidário, mais à esquerda.

Em 1972, Florianópolis estava “cheia” de jornalistas gaúchos, na sucursal do Santa e no jornal “O Estado”. E não eram quaisquer jornalistas: Ayrton Kanitz. JB Scalco, Elaine Borges, Mário Medaglia, Jorge Escosteguy, Nei Duclós, Virson Olderbaun, por exemplo, poderiam, como de fato alguns fizeram, trabalhar em qualquer lugar do mundo. Não era um fato isolado, porque as redações dos principais veículos, no Rio e em São Paulo também estavam “cheias” de gaúchos talentosos.

Em março de 1972, com 19 anos, eu estava entre os jornalistas catarinenses que compunham a redação, na nova etapa de “O Estado”. Naturalmente, os postos principais nas principais editorias eram ocupados pelos “gaúchos”. Eles eram os jornalistas experientes. Nós éramos os iniciantes. Ocupava uma vaga de redator no Caderno 2, editado pelo Paulo da Costa Ramos.

O choque cultural e profissional era ao mesmo tempo assustador e estimulante. O Jorge Escosteguy (falecido em 1996), grande jornalista que depois tornou-se nacionalmente conhecido e respeitado, era uma esfinge arrogante aos olhos curiosos dos locais.

Ele desenhava e diagramava as páginas que editava, traduzia os telegramas das agências internacionais, trabalhava sem descanso e sem levar a sério aquele bando de provincianos que circundava o grande centro do saber. Tinha vindo diretamente de Porto Alegre, sem ter passado pelo Santa.

E eu, sem maiores responsabilidades do que dar texto final a matérias culturais, muitas delas traduzidas de revistas estrangeiras, achava tudo muito divertido. E ainda me pagavam para participar daquela festa.

Mas o melhor estava por vir. Em outubro de 1972, de repente, literalmente de uma hora para a outra, os “gaúchos” foram embora. No meio da tarde, nós, os remanescentes e inexperientes catarinas, fomos chamados a assumir todas as funções do jornal que tinham ficado desguarnecidas. Tivemos que arrebentar a caixa preta a marretadas. Aprender a fazer tudo o que ainda não tínhamos aprendido, para poder manter o jornal circulando.

Tomamo-nos de brios e ninguém mais falou em ir pra casa, jantar, descansar. Eu, pelo menos, fiquei dois dias inteiros no jornal.

A primeira edição que fizemos chegou às bancas perto do meio-dia (não lembro se antes ou depois), mas chegou. A segunda, um pouco mais cedo. Provamos, para nós mesmos e para o mundo, que éramos capazes de baixar um jornal, mesmo sem os “gaúchos”.

A gota d’água que provocou a saída daquela turma, vista a esta distância, parece mesmo apenas uma gota (uma discussão menor sobre funções e atribuições). Mas a conjuntura na qual o incidente ocorreu era mais ampla. Havia um conflito latente sobre como conduzir o jornal “O Estado”: de um lado, os jornalistas que tinham sido criados num ambiente empresarial mais profissional (Porto Alegre, àquela altura, tinha cinco ou seis jornais, alguns de grande qualidade jornalística) e do outro os dirigentes do jornal, responsáveis pela implantação de uma mudança que, embora radical, tinha menos de um ano de vida. Parecia que o ritmo dos locais que estavam se esforçando para modernizar a imprensa provinciana e o de quem tinha vindo de fora com o mesmo objetivo não estava sintonizado, favorecendo os atritos.

Muitos dos jornalistas que vieram de outros estados naquela época, acabaram ficando na cidade até hoje. E os principais jornalistas locais, também naquela época, foram, por maior ou menor tempo, correspondentes de publicações de outros estados: Sérgio da Costa Ramos (“Veja”), Marcílio Medeiros Filho (“Jornal do Brasil”), Antônio Kowalsky (“O Globo”), Raul Caldas Filho (“Manchete ”), Vânio Bossle (“Folha de S. Paulo”), José Carlos Soares, o Zico (“O Estado de S. Paulo”) e Silva Jr. (“Correio do Povo”).

A década de 70 é um marco importante na imprensa florianopolitana. E um marco fundamental para o jornalismo catarinense. Essa injeção de profissionalismo nas práticas semi-amadoras do jornalismo ilhéu foi, a meu ver, o principal fato jornalístico destes 50 anos. Agitou o ambiente, provocou discussões, estimulou o aperfeiçoamento. A cidade não foi mais a mesma, todos fomos, de uma ou outra forma, influenciados.

Depois da “debandada” dos “gaúchos”, o jornal “O Estado” começou a recompor sua equipe tomando mais cuidado para não ficar tão dependente de grupos de profissionais. Trouxeram uns de São Paulo, outros do Paraná e mais alguns foram recrutados em Florianópolis mesmo.

Com uma sucursal grande e ativa na capital, o “Jornal de Santa Catarina” continuava, ao longo da década de 70, como o concorrente mais importante de “O Estado”. O surgimento dos jornais do grupo Diários Associados, movimentou o mercado, mas não chegou a ameaçar de fato os líderes. Em 1977, com redação em Florianópolis, foram lançados três jornais: o “Diário de Notícias”, que circulava na Grande Florianópolis, “A Nação”, em Blumenau e o “Jornal de Joinville”. Nos três, o miolo era igual, mudando apenas a capa, para inserção das matérias dos correspondentes de cada um dos locais.

Também nesse ano, houve uma tentativa de reativação do jornal “A Gazeta”. Reforçou a redação, melhorou a cobertura, mas continuava a ser impresso tipograficamente. Sem dispor da qualidade do off-set, as fotos e ilustrações perdiam em qualidade. A experiência durou pouco tempo.

A partir desse impulso inicial e talvez estimulados pelo ambiente de renovação, Florianópolis viu surgir muitos veículos, com maior ou menor sucesso e variado tempo de vida. Entre eles, por exemplo, o “Jornal da Semana”, “Afinal”, “A Ponte” e o “Vento Sul”.

Outro jornal que teve uma trajetória importante na cidade foi o “Bom Dia, Domingo”. Tratava-se de um “Shopping News”, semanário de distribuição gratuita, com grande espaço para anúncios.

Lançado em fevereiro de 1975, foi uma idéia de Luiz Daux, empresário da construção civil, que teve a participação do irmão, George Daux, de Nestor Fedrizzi (o mesmo que criou o Santa) e de José Joaquim de Souza. Teve, entre seus editores, além do próprio Fedrizzi, Valdir Zwetsch, Luiz Lanzetta e Flávio de Sturdze.

Durante boa parte da sua vida, teve uma circulação de cerca de 20 mil exemplares. Não sobreviveu ao início da década de 80.

Passado o furacão (tsunami, tornado, ciclone… por favor, escolham o chavão preferido para nomear as mudanças na primeira metade da década de 70), a cidade estava posta em sossego, deliciando-se com as novidades. Beto Stodieck dava às colunas sociais uma nova roupagem, na trilha aberta por Zózimo Barroso do Amaral, no JB, tratando sem frescuras tanto de amenidades quanto de fatos políticos, dando opinião e lançando sobre a província e seus hábitos um olhar crítico, maroto e bem humorado.

Durante os primeiros anos da década, Zigelli, assim como Ayrton Kanitz, eram contrários à criação de um curso de Jornalismo em Florianópolis. Acreditavam que ainda não havia, na cidade, empresas jornalísticas em número e qualidade suficientes. Seria mais útil cursar Jornalismo em cidades como Porto Alegre ou São Paulo e depois voltar para exercer a profissão com uma visão mais aberta e atualizada. Em 1978, o grupo de trabalho liderado pelo jornalista Moacir Pereira chegou à conclusão contrária, elaborou o projeto do curso em poucos meses, o MEC autorizou e no vestibular de 1979 foram colocadas à disposição as primeiras 40 vagas.

O curso de Jornalismo da UFSC acabaria se destacando entre os demais cursos brasileiros. Suas inovações e contribuições ajudaram a colocar Florianópolis no mapa do ensino do jornalismo no País.

A abertura da concorrência para o segundo canal de televisão em VHF de Florianópolis agitou o empresariado local e das cidades e estados vizinhos, numa movimentação que provavelmente a maioria da população e mesmo dos jornalistas nem tenha percebido.

Mas seu desenrolar definiu o perfil e o futuro da imprensa nesta pequena ilha do sul do Brasil.

Estamos em plena ditadura (ainda que num processo “lento e seguro” de distenção), o presidente é o general Ernesto Geisel e os governadores, indicados sem voto popular, têm grande participa ção no processo, sempre político, de concessão de canais de TV. José Matusalém Comelli foi, portanto, ao governador Antônio Carlos Konder Reis informar que liderava um grupo que pretendia disputar o canal. O governador, conta Comelli, disse que achava “muito justo que o jornal “O Estado” tenha um canal de TV, da mesma forma que o “Jornal de Santa Catarina” tem a TV Coligadas”.

Maurício Sirotsky, dono da TV Gaúcha e do jornal “Zero Hora”, em Porto Alegre, também está interessado. Propõe sociedade a Comelli e ao ex-governador Aderbal Ramos da Silva. A minuta do contrato chega a ser redigida. Mas a pressão contra essa aliança com os “estrangeiros” cresce. Imaginavam os opositores da sociedade, que numa disputa com um pretendente de outro estado, o governador tomaria partido dos locais. Comelli e Aderbal recuam e Sirotsky decide entrar na disputa sem sócios.

Em 1977, a TV Catarinense é outorgada à RBS (Rede Brasil Sul), de Sirotsky, com as bênçãos de Antônio Carlos Konder Reis.

A televisão entra no ar em 1979, retransmitindo a programação da Globo, que anteriormente era exclusividade da TV Coligadas. O jornal “O Estado” continua sem um canal de TV, mas o principal concorrente, o “Jornal de Santa Catarina”, também estava sem a sua TV, que fora vendida em 1975 para o grupo paranaense de Mário Petrelli.

Essa disputa mexe profundamente com as empresas de comunicação de Florianópolis. As que perderam saíram desgastadas e a ganhadora chega ao estado com o poderosíssimo trunfo que é a Rede Globo e seu quase monopólio de faturamento comercial.

Assim como a chegada do off-set e das novas práticas profissionais foi importante para os jornalistas e para o jornalismo, a disputa pelo segundo canal de TV em Florianópolis foi decisiva para as empresas.

Na noite de 12 de abril de 1980, um sábado, caiu um avião da Transbrasil no morro dos Ratones, próximo à sede do jornal “O Estado” e já era madrugada quando o local foi alcançado pela polícia e pela Aeronáutica. Às 8 horas da manhã de domingo, todos os jornalistas e funcionários de O Estado tinham voluntariamente chegado à redação para trabalhar. Muitos chegaram ainda no sábado à noite e vários, como os fotógrafos, passaram a madrugada no local do acidente. O jornal fez três edições extras. Como reconhecimento ao fato de todos terem aparecido, foi publicado, em cada uma das edições, um expediente especial com a nominata completa. “Tinha até o nome do vigia, que escalou o morro para buscar os filmes e trazer para revelar”, conta, emocionado, Osmar Schlindwein.

Muitos jornalistas, entre os quais me incluía, tinham o sentimento que a profissionalização e a paixão pela profissão precisavam ser acompanhadas pelo Sindicato. Começou, então, uma longa luta para colocar no Sindicato dos Jornalistas uma diretoria mais sintonizada com os novos tempos. Para estimular a sindicalização (sem a qual não haveria votos), e fazer campanha, foi criado o Movimento de Oposição Sindical, que teve ampla adesão em todo o estado. O MOS atingiu seu objetivo com a posse, em 1987, da diretoria presidida por Celso Vicenzi.

A RBS iniciou a década de 80 retomando as conversas com José Matusalém Comelli, desta vez para comprar ou associar-se ao jornal “O Estado”. Novamente, a decisão acabou sofrendo a influência de muitos grupos de pressão. Em geral amigos, empresários, pol íticos, que viam na venda de “O Estado” uma espécie de rendição ao “inimigo”. Comelli conta isso com uma certa mágoa, talvez porque depois não tenha visto, naqueles que pressionaram para que o negócio não fosse feito, grande empenho para ajudar o jornal a sobreviver.

Sem negócio com “O Estado”, a RBS decide lançar seu próprio jornal. Armando Burd, o jornalista escalado para fazer as primeiras sondagens e ajudar na formatação do projeto, chega à cidade em 1984 e começa as conversas com jornalistas. Após dois anos de estudos, o “Diário Catarinense” é lançado em 1986. A RBS-TV, a cavaleiro da programação da Globo, lidera a audiência e garante o suporte financeiro para a empreitada.

O “Jornal de Santa Catarina”, em 1985, foi vendido para o empresário Nilton Reis, que resolveu reforçar sua circulação em Florianópolis, ampliando a sucursal. Tirou, de “O Estado”, colunistas e jornalistas e levou, também, uma das personalidades mais versáteis do jornalismo da capital: Osmar Schlindwein.

Osmar começou cedo, naquele “O Estado” da rua Conselheiro Mafra, cujo gerente era Domingos de Aquino, não por acaso seu tio. Envolveu-se de tal maneira com a manufatura dos jornais, que não se pode delimitar exatamente o que o Osmar faz, fez ou fazia. Lembro-me dele sujo de tinta, nas oficinas tipográficas de “O Estado”, em 1970. Mas também lembro dele colocando ordem na composição eletrônica do jornal, anos mais tarde. Já o vi dirigindo o comercial. Mas também fazia as vezes de gerente de recursos humanos, apaziguando ânimos. E certamente muitos o viram prestando consultoria a seus próprios chefes. Não é repórter, mas sabe quando uma matéria está bem escrita e quando o repórter é apenas um enrolão.

Osmar lembra que estava no Santa quando o jornal bateu o recorde catarinense de tiragem, até hoje não superado: 102 mil exemplares da edição extra com a tabela da Sunab do plano Cruzado, em 1986. A tabela não era exclusiva, a estatal EBN (Empresa Brasileira de Notícias) distribuiu para todos os seus escritórios, em todos os estados. Bastava ir lá buscar e publicar. Só que nenhum outro jornal, em Santa Catarina, deu-se conta da importância e do apelo popular desse material. Uma vez publicada a edição extra, a população literalmente foi às ruas para comprar a lista.

Fui editor-chefe de “O Estado” de 1988 a 1989. Com a ajuda do Flávio de Sturdze, trouxe para o “mais antigo” vários jornalistas que estavam se destacando no nascente “Diário Catarinense ”, para reforçar a equipe. E, naturalmente, fiz questão que o jornal recontratasse o Osmar Schlindwein. Achei que poderíamos fazer uma boa dupla, para dar um susto na concorrência. Nessa época “O Estado” ainda circulava na maioria dos municípios e sua venda, tanto em bancas quanto de assinaturas (chegava, aos domingos, a cerca de 30 mil exemplares), o colocava como principal concorrente do DC, que ainda não podia ser considerado “líder”.

A equipe viveu, em “O Estado”, grande emoções: tanto lá quanto cá havia gente capaz de produzir um bom jornal. E sempre que fazíamos alguma cobertura melhor que o concorrente, enchíamo-nos de justificado orgulho. Emocionados com o elementar e saud ável efeito da disputa pelo leitor.

Ao completar 80 anos, em 1995, O Estado publicou um caderno comemorativo com 76 páginas bem recheadas de anúncios, ainda em formato standard. Uma demonstração de vitalidade que parece difícil de se repetir. Acuado pela crise, o jornal hoje só circula na Grande Florianópolis, mudou para o formato tablóide e raramente tem edições com mais de 16 páginas.

O interesse por economia e negócios cresce no país todo e em Florianópolis surgem duas revistas especializadas, a “Express ão” (1990) e a “Empreendedor” (1993), que existem até hoje e circulam também em outros estados. Em 1995, o grupo que publica o “Indústria & Comércio” em Curitiba, lançou aqui um jornal com o mesmo nome. Montou uma redação local para editar algumas páginas e utilizava material do jornal paranaense para fechar as demais páginas. A impressão era em Curitiba. Inicialmente parecia promissor, porque montou uma equipe de grande qualidade (com jornalistas como Flávio de Sturdze e Belmiro Southier, por exemplo).

Mas não chegou a completar quatro anos. Assim como a sucursal do “Jornal de Santa Catarina” teve papel importante no jornalismo da capital, o crescimento do jornal “A Notícia”, de Joinville, impresso em off-set a partir de 1980, levou-o a instalar-se em Florianópolis, com uma sucursal que tamb ém passou a fazer parte do mercado profissional, como um dos projetos mais estáveis e bem sucedidos. Além de fornecer material para o jornal principal, editado em Joinville, a sucursal edita um caderno, o “ANCapital”, que circula com o reparte da Grande Florianópolis.

Toda essa movimentação profissional e empresarial, que trouxe tantas mudanças e afetou de tantas maneiras o jornalismo da capital, não se refletiu na melhoria do padrão salarial. As empresas justificam os baixos salários com a crise, ora local, ora estadual, ora nacional, ora mundial. Na verdade, não houve crescimento do número de leitores e a verba publicitária gerada pela economia da Capital não parece suficiente para manter os veículos. E os salários, como conseqüência, não são suficientes nem para remunerar um trabalho com tal responsabilidade e nem para dar aos jornalistas uma vida digna.

Para agravar a situação, nos últimos anos surgiram, em muitos bairros, semanários que institucionalizam a picaretagem: as “reportagens ” só são publicadas se os interessados pagarem. Isso leva o leitor a desacreditar dos jornais e a desconfiar que seja assim em todo lugar. E, o que é pior, a achar que isso é jornalismo.

Agradecimentos

Em dezembro de 2004 e janeiro de 2005 conversei com alguns dos participantes dessa história, que me ajudaram a confirmar muitos detalhes e informações. A eles o meu agradecimento (e desculpas, por condensar num capítulo tantos casos e lembranças, que valeriam um livro inteiro): Ayrton Kanitz, Elaine Borges, Flávio de Sturdze, José Matusalém Comelli, Marcílio Medeiros Filho, Mário Medaglia e Osmar Schlindwein.

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Cesar Valente Escrito por:

Jornalista e designer gráfico catarinense, manezinho, setentão. Ex uma porção de coisas, mas sempre inventando moda: a mais nova é o mestrado em Jornalismo na UFSC.