Estava procurando passagens aéreas de Paris para Shenzhen, no sul da China, mas só encontrei com escala em Pequim (Beijing). Já para Hong Kong, que fica perto, havia vôos diretos. Posentão. Vou contar pra vocês como foi (em 2019) ir pra China via Hong Kong.
Estas conversas de viagem que publico aqui não devem ser consideradas “reportagens”. São anotações de um viajante (meio distraído, às vezes), que talvez interesse a quem gosta de viajar e de conhecer a experiência de outras pessoas.
Pois bem, vamos lá. Shenzhen é uma daquelas enormes cidades chinesas que a gente nunca tinha ouvido falar. E que, há 40 anos eram pequenas cidades interioranas. Nessas poucas décadas ganharam arranhacéus impressionantes, bairros residenciais em áreas onde antes era mar, enormes aeroportos, portos gigantescos e redes completas de metrô e ônibus urbanos. E passaram de alguns poucos milhares de habitantes (uns 30 mil) para muitos milhões (mais de 10 milhões em 2016).
E se orgulha de ter 15 prédios “muito altos”, ou seja, acima de 300 m (Dubai tem 25). O mais alto tem 599 metros, o segundo 442 metros e o terceiro, esse que aparece no video abaixo, “apenas” 392 metros. Foi planejado para ter uns 500, mas teve que se contentar com menos porque estava na rota dos aviões. Só pra comparar, o Morro da Cruz, em Florianópolis, tem 285 metros de altura.
Talvez outro dia escreva sobre esse processo de megalopolização da cidade e o centro de tecnologia que se tornou. Mas hoje a gente ainda está tentando chegar lá.
VIA HONG KONG
Quando perguntei a quem já tinha ido, como era chegar à China via Hong Kong deram-me instruções muito detalhadas e precisas: “tranquilo”. Depois de ter ido e vindo, acho que também posso responder, resumindo: tranquilo.
Hong Kong, vocês sabem, é um território que não é China (ainda), embora seja governado pela China. Hong Kong e Macau são áreas “especiais”. A diferença mais fácil de explicar é esta: em Hong Kong a internet tem facebook, whatsapp e dá pra baixar ou atualizar qualquer app do celular. Na China, não.
Mas é claro que por lá nada é assim tão simples. Como estamos apenas conversando sobre a ida e a vinda, não vou entrar nos detalhes dessa situação de ser China sem ser China, que Hong Kong ostenta.
O fato é que a gente compra passagem num vôo direto para Hong Kong, como qualquer pessoa que vai para Hong Kong. E desembarca no mega aeroporto de Hong Kong como os demais passageiros. Mas não vai pegar a mala nem sair do aeroporto. Porque não vamos para Hong Kong.
E, como a gente vai para a China, não faz sentido fazer a alfândega em Hong Kong. No aeroporto mesmo, antes de chegar na aduana, tem os guichês do ferry para Shenzhen (e para Macau). Ali a gente compra a passagem e mostra o ticket da bagagem. Eles se encarregam de pegar a bagagem no avião e colocar no barco.
Sim, sim, dá um certo temor que as malas se extraviem e que a gente vá para um lado e as malas para outro. Mas, como disse a pessoa que me orientou, quando perguntei como era isso: “tranquilo”.
Claro, não se pode pegar o barco que esteja saindo logo, porque precisam de algum tempo para fazer essa operação das bagagens. Esperamos uns 45 minutos. E aí fomos para o embarque. Já falei que é um mega-aeroporto? Posentão.
Desce em longas escadas rolantes, pega um metrô e lá adiante sai no pier do próprio aeroporto, onde tem um ferry ancorado. Um catamarã, com capacidade para trocentas pessoas. Quando chega o horário, partimos para a China. Meia hora, mais ou menos, de viagem.
A FRONTEIRA, NA CHEGADA
A viagem é, como direi, tranquila. O catamarã (com suas duas quilhas) tem motores potentes, navega muito rápido e com pouquíssimo balanço. Alguns dos barcos, contudo, provavelmente pela idade, têm as janelas sujas ou com algum problema que dificulta a visibilidade. O que é uma pena, porque navegam perto da costa e é bem legal quando os vidros são translúcidos e a gente consegue ver a paisagem.
O pier de Shekou, em Shenzhen, é uma estrutura enorme, um porto alfandegado para navios de cruzeiros e para os vários ferry que servem a cidade. Ao desembarcar, como num aeroporto, vamos para a fila da aduana. O controle é bem rigoroso. Tem que tirar foto e deixar digitais das duas mãos diante de policiais que parecem ter dificuldade em ler os caracteres ocidentais dos nossos passaportes. Lê, relê, olha pra gente, digita coisas no terminal. Recomeça. Ou seja, muna-se de paciência porque não é rápido.
Depois da aduana, as bagagens. E nada de “por amostragem”: todas as malas, maletas e mochilas passam por um raios-X gigante.
Nesta altura a gente começa a descobrir uma das características dos chineses. Eles vão que vão, não tem isso de esperar, dar a vez. Vi um sujeito ser derrubado naquele avanço de colocar a mala na esteira do raios-X e quase que ele vai pra dentro da máquina. Mas não tirem conclusões precipitadas.
Se precisarem de ajuda ou de informação verão que a maioria é muito solícita, gentil, te ajuda com um sorriso. A língua é sempre um problema, é raro encontrar quem fale inglês. Mas se a gente pergunta alguma coisa correm a abrir, no celular, o app de tradução, pra gente falar e eles poderem ler o que estamos dizendo.
O pier tem ônibus passando por dentro, ligação com a estação de metrô mais próxima e, ao redor, um bairro inteiro sendo construído (dia e noite, sem domingo e feriado, como parece ser costume por aquelas bandas), para aproveitar a proximidade com essa porta de entrada.
A FRONTEIRA, NA SAÍDA
Shenzhen é perto de Hong Kong. São uns 50 km por via terrestre e perto de uma hora de barco. Teoricamente é fácil ir e vir. Na prática é preciso levar em conta o fato de que se atravessa uma fronteira muito controlada.
Digamos que os netos te convidem para passar o dia na Disneylandia de Hong Kong, que fica perto do aeroporto. Tem que contabilizar, na ida e na vinda, de carro, a passagem pelas duas aduanas. Saída da China e entrada em Hong Kong. Depois saída de Hong Kong e entrada na China. E só carros com duas placas podem fazer esse trajeto. Mas é fácil contratar um “carro de aluguel” que esteja autorizado a fazer esse vai e vem.
Para ir ao centro de Hong Kong, de barco, é um pouco mais fácil, mas tem fiscalização na saída e na entrada de cada um dos “países”, na ida e na volta.
Se o vôo de retorno está marcado para sair de Hong Kong e a gente está em Shenzhen, o check in é feito já no pier, onde se pega o ferry (aquele mesmo onde chegamos). Tem guichês das companhias aéreas. A bagagem também é despachada ali. E faz a alfândega de saída da China.
No aeroporto de Hong Kong (já falei que é um mega-aeroporto?) a gente desembarca, faz a alfândega de entrada em HK, passa pelos controles de segurança, pega o trem e vai direto para a área de embarque. Por baixo e por dentro. Essa foi a razão pela qual, mesmo tendo embarcado num dia em que ocorreram manifestações diante do aeroporto, a gente não viu nada.
Quem vinha de Hong Kong para o aeroporto teve mais dificuldade, com engarrafamentos e outros transtornos. Mas quem veio da China de barco só ficou sabendo das coisas quando espiou o noticiário.
Ou seja, é tranquilo.
EM TEMPO
Encontrei numa IstoÉ antiga (de setembro de 2004) um bom resumo dessa transformação de nomes em chinês para o alfabeto ocidental. É um texto do Cláudio Camargo que transcrevo:
“No caso da China, Pequim virou Beijing depois que o governo, há cerca de duas décadas, unificou as transliterações do chinês através do sistema Pinyin, que regula as transcrições fonéticas da língua chinesa para o alfabeto romano. Assim, para desespero de quem já passou dos 30, Cantão agora se escreve Guangzhou; Nanquim é Nanjing e Hong Kong grafa-se Xianggang. Nem os líderes do panteão chinês escaparam: o nome do “grande timoneiro” Mao Tsé-tung hoje soa como um mero Mao Zedong.”