Os jornais e o jornalismo

O anúncio, em 2019, do final das edições impressas dos quatro jornais da NSC (Diário Catarinense, A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Hora de Santa Catarina), não surpreendeu. Imagino que todos os que acompanham essa indústria sabiam que isso aconteceria, só não sabiam exatamente a data.

Na nota divulgada se informa que, no lugar dos jornais impressos, circulará uma revista semanal. E que o conteúdo jornalístico factual será produzido para as plataformas online.

Para os assinantes, foi enviada uma carta com conteúdo semelhante.

Logo da NSC Comunicação, com o selo de 40 anos.

Para tristeza dos otimistas, não há nada, na nota, que signifique novidade ou demonstre algum esforço para romper a tendência de desvalorização do jornalismo.

A crise dos impressos é coisa do passado, para os veículos que a entenderam e que perceberam que, ao mesmo tempo em que as formas de financiamento dos jornais estavam em crise, o jornalismo estava em ebulição. Nunca houve tanta demanda por informação e nunca as informações bem apuradas, exclusivas, produzidas com correção, foram tão necessárias. A informação é um bem de primeira necessidade em qualquer lugar e em qualquer época.

Mas a crise é permanente para os veículos que acham que há também uma crise do jornalismo e tentam encontrar saídas reduzindo pessoal e banalizando o conteúdo.

CAÇA-NÍQUEIS & CAÇA-CLIQUES

Portanto, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: ok, imprimir em papel e distribuir diariamente um jornal perdeu sentido, mas é preciso lidar com essa mudança de plataforma procurando não prejudicar o essencial, que é a produção de conteúdo jornalístico. Porque o que tem valor, não se enganem, é a informação.

Bom, mas os jornais (ou pelo menos a maioria deles), viu a crise como um tropeço econômico e tenta, sem criatividade, manter apenas um espaço nominalmente informativo, onde procuram faturar de qualquer maneira. E reduzem custos eliminando jornalistas e principalmente renunciando, abdicando, da tarefa de informar. Esqueceram que um dia foram empresas jornalísticas.

Assim como acreditam que conseguirão sobreviver com redações minúsculas, acreditam que, se desistirem de qualquer viés crítico, se se distanciarem da tarefa implícita ao jornalismo, que é fiscalizar o poder público, cairão nas boas graças dos poderosos e receberão algumas verbinhas, como agradecimento pela sabujice.

Não é bem assim que funciona. E os exemplos têm sido numerosos. Muitos veículos que ocupam a internet com o rótulo de “jornais” ou “revistas”, são picaretagens que por um lado se submetem ao asqueroso esquema caça-cliques, que pretende atrair cliques com jogos de palavras e “hashtags” de duvidosa “precisão científica” e por outro vendem a alma a quem quiser comprar. E deixaram de ser jornalísticos. Perderam a credibilidade. Jogaram no lixo seu principal diferencial: o jornalismo.

Os limites saudáveis entre o comercial e o editorial foram abolidos há muito tempo. E o que se lê e vê, Brasil afora, é uma maçaroca composta, prioritariamente, por materiais produzidos pelas assessorias de imprensa e divulgados acriticamente. Porque, para muitos “veículos” não existe mais compromisso com a informação própria, independente, jornalística. Ao contrário.

“MUITA OPINIÃO”

Ao ler a nota da NSC algumas coisas me chamaram a atenção. Ali se diz que as revistas (que, até onde entendi, será apenas uma, com pouca coisa diferente em cada uma das três marcas principais) terão “conteúdo aprofundado”. E como exemplo desse “aprofundamento”, citam a parceria com o New York Times “e muita opinião”.

Trecho na nota da NSC, com destaques feitos por mim.

Sim, tudo o que precisamos, hoje, no Brasil, é “muita opinião”. E o que não faltam são colaboradores dispostos a dar sua opinião de graça. Ou até pagando para distribuir sua sabedoria. E defender seus pontos de vista a partir das últimas que leram no whatsapp.

É bom ter material do The New York Times. Mas por que não trazer também, do NYT, o exemplo de como fazer a transição do impresso pro digital, valorizando o conteúdo jornalístico? Com jornalistas, mais jornalistas, melhores jornalistas? E, aí sim, entregar conteúdo mais aprofundado, no sentido jornalístico: com mais informação, melhor apuração e pautas mais relevantes para as comunidades onde a revista circula.

IMPRESSSÃO A QUENTE? Sim, fiquei curioso: o que seria isso de “páginas internas com impressão a quente”? Estudo a história da indústria gráfica e os processos de impressão há bastante tempo e não consigo imaginar o que seja. Quando se fala em “impressão a quente” logo vem à mente o “hotstamp”, que é o processo de imprimir uma tinta metalizada, uma espécie de carimbo a quente. Mas não serve para imprimir o miolo de revistas. Outra forma de imprimir em que o calor entra, é a impressão a laser. Um rolo aquecido funde o pó (toner) sobre o papel. É possível fazer revistas com impressão a laser, mas só é viável economicamente para tiragens pequenas. Ou para impressão sob demanda, de conteúdos customizados. A impressão de revistas, até onde sei, é feita a frio, em off-set ou rotogravura. Vou aguardar as explicações. Vai que encontraram um sistema que ainda não conheço.

Para atrair o leitor, claro, tem sorteio de prêmios. Se por acaso ficar insatisfeito com o volume e a qualidade da informação que recebe, sempre terá, como consolo, a possibilidade de ser sorteado e ganhar, talvez, um ingresso para um show. Ou uma viagem.

Vejam bem: é importante atrair leitores, é importante ter assinantes, até para financiar o jornalismo. Não acho que oferecer prêmios ou ter um programa de “milhas” seja ruim. É um complemento que pode ser útil para tentar quebrar a inércia dos leitores, que se recusam a pagar pela informação online (compravam o jornal de papel na banca sem problema, mas quando se trata de pagar pelo jornal na tela, resistem). Mas não acredito que o leitor que realmente interessa, o formador de opinião, vá recomendar ou falar bem do jornal só porque tem um “número da sorte”.

Então é isso. Boa sorte para os que sobreviveram ao passaralho e tomara que em algum momento a NSC resolva voltar a investir no jornalismo. Desculpem o textão escrito meio às pressas, mas achei importante compartilhar essas caraminholas.

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Cesar Valente Escrito por:

Jornalista e designer gráfico catarinense, manezinho, setentão. Ex uma porção de coisas, mas sempre inventando moda: a mais nova é o mestrado em Jornalismo na UFSC.