E AÍ, MALAS PRONTAS?

Uma das coisas que eu mais gosto de fazer, é escrever sobre viagens. E uma das coisas que eu menos gosto de fazer é ler sobre as viagens dos outros. Imagino que, nisso, não esteja sozinho. Porque, cá entre nós, se é sempre meio chato a gente ver que os amigos estão se divertindo em lugares que não conhecemos, é pior ainda se estão onde já estivemos. E a coisa fica insuportável se são inimigos, ou desafetos.

Por isso, e a partir disso, tenho procurado só escrever sobre as minhas viagens em privado. Sem publicar. Sem mostrar nem para os netos (que eles também não merecem ficar lendo sobre o que o vô viu aqui ou ali). Mas a dona Lucinha acha tudo isso uma bobagem. Estranhamente, ela gosta de ler relatos de viagem e coisas relacionadas com viagens. Fazer o quê? Tem gosto pra tudo.

Bom, esses prolegômenos são só pra dizer que vou trazer pra cá algumas coisas que tenho pensado ou escrito e que, espero, possam interessar a alguém que, como a dona Lucinha, não ache isso chato. Nem insuportável.

ESTRATÉGIAS

Em toda e qualquer viagem, o que acho mais cansativo é fazer e desfazer as malas. Meu sonho de consumo é fazer as malas antes e desfazer ao chegar. Mas isso é impossível. Porque muitas coisas que a gente precisa durante a viagem, como as cuecas, por exemplo, em geral estão dentro da mala. Então a minha experiência comprovou que será sempre necessário abrir as malas em algum lugar e fechar ao retornar. Para minimizar esse aborrecimento, desenvolvi duas estratégias principais.

Porto de cruzeiros de Santa Cruz de Tenerife, nas Ilhas Canárias, Espanha. O “hotel” tá lá, estacionado.

1. O NAVIO

Qualquer dia, num desses textões viajantes, vou tratar especificamente dos cruzeiros e contar o que penso deles e o que já passei dentro de navios. Mas, agora, o navio está aqui apenas como exemplo de uma brilhante forma de viajar sem ficar abrindo e fechando malas. É simples, óbvio: a gente faz as malas e vai para o navio. Lá, desfaz as malas na cabine e pronto. O hotel/ restaurante nos leva de cidade em cidade e a gente não precisa fechar as malas. Só quando termina o cruzeiro. Isso de viajar no hotel é uma grande ideia, que nos poupa desses abre/fecha intermediários.

Cada dia, um trajeto diferente, sempre voltando à noite para a base.

2. A “BASE”

Quando se quer conhecer algumas cidades, numa região que não seja servida nem por rios navegáveis nem por oceanos ou lagos, o navio não é uma opção. Mas há alguns anos resolvemos (quando uso o plural não é o tal do plural majestático, mas apenas a indicação que a dona Lucinha deu pitacos no assunto) esse problema adotando o seguinte esquema, fruto de algum planejamento e muita pesquisa no google maps: procuramos um bom lugar pra ficar mais ou menos no centro da região que pretendemos conhecer.

Há alguns anos fizemos isso na Provence, sul da França. Encontramos uma pousada simpática ao lado de um castelo, em Cazan, perto de Lambesc (La Commanderie des Taillades, da Evelyne e do Régis). Dali, todos os dias, saíamos em uma direção. Rodávamos uma ou duas horas, até a cidadezinha que queríamos ver, passávamos o dia por ali e voltávamos à noitinha para a pousada. Nada de ficar abrindo e fechando malas. Nas distâncias europeias isso não só é possível, como muito recomendável. De vez em quando a gente repete o esquema, em outras regiões.

Os Andes, entre o Chile e a Argentina.

PLANEJAMENTO

Existem viagens feitas de improviso, sem muito planejamento, que dão muito certo, mas temo que sejam exceções. Os riscos são grandes. Eu prefiro planejar, não só porque a viagem fica mais tranquila, mas principalmente porque os dias em que fico ocupado planejando, me dão quase tanto prazer quanto a viagem propriamente dita. Mas, é claro, dá trabalho e exige, sobretudo, uma certa dose de paciência. Mesmo se a ideia é ficar uns dias sem nada programado previamente, zanzando sem compromisso pra sentir o clima do lugar.

A parte mais chata desse processo é a compra das passagens. Primeiro porque na data que a gente resolve comprar sempre os preços estão mais altos, depois porque nunca tem vôo direto ou com pouco tempo de aeroporto. Sem falar na coisa de escolher os assentos. Isso, acho, talvez valha a pena ser examinado num capítulo próprio, qualquer dia desses. Por enquanto só queria dizer que essa é a primeira coisa a fazer, assim que as datas de ida e volta estiverem decididas. E, claro, é bom ter alguma flexibilidade. Não raro a gente escolhe partir no dia 20 e ao abrir o site da empresa aérea descobre que, dois dias depois, ou antes, a passagem está bem mais barata.

Uma coisa importante que nem sempre a gente se dá conta: se tiver trecho doméstico, antes de pensar em procurar outra companhia, é sempre preferível ver se não é possível fazer com a mesma companhia do trecho internacional. Por vários motivos: o primeiro deles, o preço. Não me perguntem por que, mas o fato é que, em muitos casos, o vôo doméstico na mesma companhia não aumenta o valor da passagem internacional. Ou aumenta menos que o valor de uma passagem doméstica em outra companhia.

Mas tem outro motivo mais importante ainda: quando a gente contrata o transporte da cidade que a gente sai até a cidade em que a gente chega, a empresa transportadora tem responsabilidades sobre todo o trajeto. Se uma perna do vôo atrasa, por exemplo, eles têm que dar um jeito de nos colocar em outro vôo. Se são duas empresas, com passagens compradas separadamente, se um vôo atrasar, azar, perdeu a passagem do vôo seguinte.

Dá pra “viajar” nas fotos e nos mapas, pra ver direitinho onde a gente está se metendo.

A INTERNET! A INTERNET!

Definida a data e horário de chegada e a data e horário de partida, pode-se começar a parte divertida, que é montar o quebra-cabeças. Para onde ir, como, quando, onde ficar, onde não ficar, o que visitar, o que evitar. E, para isso, a internet fornece ferramentas espetaculares. O google maps e o google earth permitem que a gente dê uma estudada na região, veja as distâncias, analise os trajetos e até espie como anda o trânsito na cidade.

Dependendo da cidade, da região ou do programa, sempre é interessante sondar o AirBnb ou programas como o HomeExchange (troca de casas, com intercâmbio ou com pontos). Em geral se consegue um bom apartamento ou casa, por um preço inferior ao dos hoteis. E nessa pesquisa o google maps é fundamental: com o google street view (aquele hominho amarelinho que a gente arrasta pra cima da rua) é possível conhecer a região pra ver se é simpática, se parece boca braba, se tem comércios por perto. Bom, se estás indo para a China, a história é outra: o google maps não tem muita serventia, porque não pode mostrar imagens de satélite e não tem street view. Eles têm o próprio google maps deles, mas isso é conversa para outra hora.

Existem cidades, ou regiões, em que alugar um carro é viável, necessário e útil. Mas também tem aquelas em que é pura perda de tempo e dinheiro. Várias das cidades mais interessantes do mundo são ótimas para pedestres. Não só porque têm áreas adequadas para se caminhar, como também porque têm bons serviços de transporte público. E, por coincidência, muitas delas são um inferno pra se andar de carro. Paris, Londres e Roma são exemplos dessas cidades. No entanto, na internet a gente consegue descobrir essas coisas com facilidade. O que não falta é gente chata contando suas viagens e dando dicas e conselhos.

Ao longo das idas e vindas estabeleci algumas normas pétreas no meu planejamento de viagens:

1. CHEGUE DE DIA!

Procure ao máximo, no limite de todas as forças, chegar a uma nova cidade com dia claro. Claro, pode ocorrer algum imprevisto e acabares chegando à noite. Mas nunca, nunca, faça isso de propósito ou de caso pensado. Lugar que a gente não conhece tem que chegar de dia. O ânimo é outro, a gente tem uma ideia melhor de onde está e, vocês sabem, a primeira impressão pesa muito.

2. LOCALIZAÇÃO!

A localização onde vais te instalar, mesmo que seja por uma noite, é tudo. Se alugares carro, não precisas ficar no centro nervoso. Mas também não vai pros cafundó, longe de tudo. E se estiveres a pé, dá uma espiada onde ficam as estações de metrô, as linhas de ônibus, como é a redondeza, se tem padaria, supermercado, gente na rua. Porque vai que num dia deu um cansaço e não queres ir passear, tem onde comer e tomar um café por perto?

3. CALMA!

Com as passagens caras, é comum a gente pensar que precisa ver trocentas coisas, aproveitar o tempo ao máximo, conhecer dez países em cinco dias. Não vale a pena. Não entrem nessa. É preferível fazer um trajeto menos ambicioso, mas que permita usufruir das duas coisas principais das viagens de turismo: conhecer (e não só passar por) lugares novos e descansar. Parece meio contradição em termos, isso de viajar e descansar, mas é só planejar direito, sem querer, numa viagem de 15 dias, conhecer meio mundo. Não dá e, se dá, não vais aproveitar nada e no fim da viagem estarão todos um caco, cansados, brigados e muito arrependidos de terem entrado nessa fria.

Tem cidades, como as já mencionadas Paris, Roma e Londres, em que podemos ficar por uma semana, sem ver tudo e sem se chatear. Mas, mesmo se o objetivo é conhecer regiões do interior, cidadezinhas pequenas, vão com calma. Pra dar tempo de se espreguiçar, tomar café, provar uma torta, olhar a paisagem, tirar fotos que não fiquem tremidas pela pressa e voltar ao hotel ou à casa sem bolhas nos pés. Por isso o planejamento é importante: na internet a gente consegue saber o que tem de interessante em qualquer lugar, em qualquer biboca, em qualquer país. Mesmo na China, ou na Coréia do Norte. Ou no Brasil. E aí é só puxar o freio e ver o que é possível fazer sem ter que correr. E escolher: algumas coisas, lugares, ficam para uma próxima viagem. Para que sobre tempo e disposição para usufruir, bem e com calma, as coisas que foram escolhidas para esta viagem.

Ponte 25 de abril, sobre o rio Tejo, em Lisboa, vista de um “hotel flutuante”

ENTÃO TÁ

Bom, acabei me empolgando e escrevi um montão. Acho que por hoje chega. Como disse, eu gosto muito de escrever sobre isso. Se tiveram paciência de ler, quiserem mais ou mesmo se tiverem alguma dúvida específica, por favor digam nos comentários. Não sei tudo, nem viajei tanto quanto gostaria ter viajado, mas tenho a impressão que, querendo vocês ou não, voltarei a falar neste tema. É ótimo pra esquecer um pouco das tosquices do dia-a-dia.

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Cesar Valente Escrito por:

Jornalista e designer gráfico catarinense, manezinho, setentão. Ex uma porção de coisas, mas sempre inventando moda: a mais nova é o mestrado em Jornalismo na UFSC.